Caetano Veloso




















CAETANO VELOSO
PHILIPS - R 765.026 L
Tropicalia - Psych - 1968


Faixa:
Lado A
01 - Tropicália
02 - Clarice
03 - No Dia Em Que Eu Vim-me Embora
04 - Alegria, Alegria
05 - Onde Andarás
06 - Anunciação

Lado B
07 - Superbacana
08 - Paisagem Útil
09 - Clara - com Gal Costa
10 - Soy Loco Por Ti, América
11 - Ave Maria
12 - Eles



Quando eu estava preparando meu segundo LP (aquele para o qual Rogério Duarte fez uma capa com mulher e dragão e retrato oval), escrevi um texto prafrentex para a contracapa. Durante o período de gravações, recebi em São Paulo a visita de Fernando Lôbo (autor de ‘Chuvas de Verão’, música que vim a gravar algum tempo depois na cidade de Salvador, onde gozei grilado quatro meses de confinamento). Era uma visita profissional ele vinha buscar o texto da contracapa e marcou, pelo telefone, um encontro no Patachou pedindo que eu o levasse. Eu disse OK mas não achei o texto na hora de sair nem nunca mais. À mesa do restaurante, eu informei Fernando da perda e ele me informou da necessidade de voltar na manhã seguinte para o Rio com tudo pronto para imprimir a contracapa: caso contrário o disco atrasaria um mês. Como eu preferia que o disco saísse péssimo do que atrasado, concordei em aceitar o papel e a caneta que ele me oferecia enquanto me ameaçava com a terrível informação. Reescrevi ali mesmo o babado todo que eu pensava ter esquecido. Enquanto eu trabalhava, as pessoas conversavam. Inclusive comigo. "Eu gostaria de fazer", eu ia tentando lembrar, "uma canção de protestos de estima e consideração, mas esta língua portuguesa me deixa louco" eu escrevi e imediatamente percebi que não tinha escrito "rouco" como da primeira versão. Cortei "louco" e escrevi "rouco" em seguida. Não sei se foi isso que deu a Fernando a idéia de reproduzir meu manuscrito na contracapa do disco ou se ele já havia falado nisso antes. Só sei que concordei com essa idéia para não dificultar as coisas: na época eu teria preferido que o texto saísse datilografado; algum tempo depois eu preferiria impresso mesmo; hoje, não sei. De qualquer forma, eu gostava da piada. Não tanto da que resultou do erro, mas da piada original. Por nada: apenas porque dizer que a língua portuguesa me deixa rouco era verdade, enquanto que dizer que a mesma me deixa louco dava a impressão de que eu tinha em mente ressaltar mais uma vez o fato de nós falarmos e escrevermos numa língua não exportável. Quando, na verdade, eu não estava, sentindo nada disso. Pelo contrário: estava alegríssimo, compondo desbragadamente, sem sonhar com exportação.
Caetano Veloso em texto para o Pasquim - 26/03 a 01/04/70

• Contracapa do disco...
Caetano Veloso
Que maravilhoso país o nosso, onde se pode contratar quarenta músicos para tocar ‘um’ uníssono. (Miles Davis, durante uma gravação).
Antes havia Orlando Silva & flautas e até mesmo no meio do meio dia. Antes havia os prados e os bosques na gravura dos meus olhos. Antes de ontem o céu estava muito azul e eu e ela passamos por baixo desse céu, ao mesmo tempo com medo dos cachorros e sem muita pressa de chegar do lado de lá.do lado de cá não resta quase ninguém.
Apenas os sapatos polidos refletem os automóveis que, por sua vez, polidos, refletem os sapatos assim per omnia até que (por absoluta falta de vento) tudo sobe num redemoinho leve, me deixando entrever um resto de rosto ou outro, pedaços, amém. Marina sabe a história do pelicano etc. etc. o peito aberto e rasgado etc. etc. mas que nada: quando a gente não tem nenhuma necessidade de ir para os States não há mesmo mais esperança.
Eu gostaria de fazer uma canção de protestos de estima e consideração, mas essa língua portuguesa me deixa rouco. Os acordes dissonantes já não bastam para cobrir nossas vergonhas, nossa nudez transatlântica. E, no entanto, Ele é um gênio: quem ousaria dedicar este disco a João Gilberto? Quantos anos você tem? Como é que você se chama, quando é que você me ama, onde é que vamos morar?
Os automóveis parecem voar, os automóveis parecem voar por cima (mas mais alto que o Caravelle) dos telhados azuis de Lisboa, dos teus olhos, dos mais incríveis umbigos de todas as mulheres em transe, dos teus cabelos cortados mais curtos que os meus, meu amor, porque eu não quero, porque eu não devo explicar absolutamente nada.

P.S.: Gil, hoje não tem sopa na varanda de Maria.

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